TER, SER
TECER. O verbo surgiu quando ele foi separar um outro que não podia conjugar: ANOITECER.
Fizera-se um grande e profundo mistério, até porque ele... anoitecia. Sabia exatamente quando ele começava a anoitecer. Podia até dizer baixinho: estou começando a anoitecer.
Mesmo ao meio dia, sol a pino, ele, às vezes, anoitecia. Duro demais era saber que o verbo não existia. Um mistério a mais, mais um, recolhido, engolhido, ruminado, abafado.
Assim terminou por, brincando com o verbo que não se conjugava, encontrar outro: tecer. Este podia. Ele podia tecer e ninguém riria disso. Eles poderiam tecer, ninguém se espantaria.
Nasceu o tecer, portanto, dentro de um mistério. E quem ousaria discordar?
Descobriu que tecido era um substantivo. Mas ninguém poderia adivinhar que anoitecer foi tecido e tecendo seria possível anoitecer, quantas vezes presentisse, necessitasse.
O dicionário ajudava quase sempre e aulas ele se dava e mistérios ele desvendava e lições aprendia, sem que fosse obrigado a ouvir a voz irritante da professora. Ele aprendia-se (sabia que estava errado) porque prendia-se (sabia que estava certo), agarrava-se ao mistério. Horas seguidas, lápis entre os dedos, jogo febril, aula inventada ao menor sopro do vento. Invento outro (pensava) é só querer, mesmo sem sopro de vento.
Soprar era sopro e tinha ar, é claro. Sofrar não podia. Sofrer podia mas não ficava tão bonito assim sem ar.
Mas sofrer era faltar o ar, não era?
Conformava-se. Jogo de beleza e de verdade. Mas beldade não era novo, já existia. E o que ele procurava era o intentado, o impossível, o indizível, o incoberto (que não podia) ao invés do enconberto (que podia).
Um dia, nessas tantas viagens, chegou em Marte porque principiou a pensar em morte. Esticou, complicou, revirou e encontrou:
"Em Marte a morte não faz morteiro nem é mortal, mas em Marte e morte, mexer na letra pode ser fatal."
Mas quando acabou de escrever o que ele chamou de parágrafo misterioso (o primeiro), descobri fascinado que amarte, assim juntinho, podia ser código de amor, em Marte.
Deslumbrou-se. Agitou-se, e escreveu cuidadoso:
Amarte eu quero,
em Marte.
Em Marte não quero
a morte.
Só quero tirando o r
poder dizer amo-te
E se teço e anoiteço
amorteço
sem estar amortecido
mesmo tecendo amor.
Achou parecido um poema. Orgulhou-se. Envergonhou-se. Desnudava-se. Ou mudava-se? Ou mudava? Ou poemava? Descera ao pó e amava? Rouco e quase louco, achou que pouco pode ser parco e, para ir à luta, nesses mistérios, é preciso barco, é preciso arco. Marco. Marcou, antônio.
Era um menino ou era um marco? Era um menino atônito marcando a poesia chegando? Ou era, afinal, só ummenino que se chamava Marco Antônio?
0 comentários:
Postar um comentário